Após Pezão retirar pintura que dava ‘má sorte’, especialistas afirmam que problemas do Rio vão além de quadro na parede
Paulojaneiro 05, 20160
Clarissa Monteagudo e Luã Marinatto
A
tela simboliza o capítulo inicial de uma história de mortes violentas
por disputa de território no Rio: o primeiro governador-geral, Estácio
de Sá, vítima de uma flecha envenenada, após uma batalha no pé do morro
onde hoje fica o Outeiro da Glória. Esse capítulo do Rio foi
retirado do gabinete de Luiz Fernando Pezão. Com um estado agonizante
nas mãos, o governador concluiu que a obra estava “carregada”.
A
condenação do quadro veio após uma visita de Jorge Ben Jor, que deu
três batidinhas na moldura e disse: “Está muito carregado, tira”.
Especialistas ouvidos pelo EXTRA discordam. Para economistas,
historiadores e cientistas políticos, o verdadeiro quadro que trouxe o
“mau agouro” para o estado foi uma combinação de falta de planejamento
estratégico, clientelismo e uma sucessão de acontecimentos históricos
que desfavoreceram o Rio, sem que políticas públicas fossem idealizadas
para compensar as perdas. — Nos anos 20, o Rio foi superado por
São Paulo. Dos anos 20 aos anos 60, São Paulo, com seu complexo cafeeiro
e a industrialização, continua a ser o estado que mais cresce, mas o
Rio acompanhava o ritmo do país — explica o economista Mauro Osorio, um
dos autores do livro “Uma agenda para o Rio de Janeiro”: — Em 1960, a
capital é transferida para Brasília, mas houve uma demora para perceber o
problema. Há uma carência de reflexão, que dificulta a construção de
estratégias regionais. O Rio foi perdendo e nada foi posto no lugar. Após
o golpe militar, o vazio criado pela cassação de lideranças políticas
virou cenário perfeito para o clientelismo do governador Chagas Freitas.
A política do “toma lá dá cá” perdura até hoje com um leve período de
melhora durante o governo Cabral, destaca Osório. — A
responsabilidade é diluída entre os governadores do Rio. Governante
pensar em horizonte a longo prazo é exceção — diz Júlio Miragaya,
presidente do Conselho Federal de Economia, apontando um desafio que vai
além de trocar um quadro de parede. Pezão diante do quadro, ainda em seu gabinete Foto: Fábio Guimarães / 18.06.2015 ‘Foi a primeira morte carioca’ Nascido
em Niterói, em 1860, onde hoje um museu carrega seu nome, Antônio
Parreiras concluiu o quadro “Alegoria da morte de Estácio de Sá” em
1911, após encomenda de Inocêncio Serzedelo Corrêa, prefeito da então
capital federal. Admirador da obra do pintor, o historiador Milton
Teixeira não aprovou o descarte da tela. — Ela retrata a primeira
morte genuinamente carioca: por flecha perdida. Mas não podemos exigir
que um governador que faliu a saúde, a educação e o estado como um todo
entenda de arte. Se não quiserem o quadro, ele seria muito bem tratado
na minha casa — garante Milton, que já tem uma obra de Antônio Parreiras
na sala: — Não tem um décimo do valor. Debates artísticos à
parte, especialistas são unânimes ao apontar a falta de planejamento de
médio e longo prazo como uma das causas para o momento vivido pelo
Estado do Rio. Um problema que começou há décadas e persistiu nas
gestões mais recentes, de Pezão e Sérgio Cabral, de quem o atual
governador foi vice. — Sobretudo por ser um governo de
continuidade, é lamentável que se chegue a esse ponto — resume o
cientista político e professor da UFRJ Jairo Nicolau. — O Estado
do Rio sempre se beneficiou com o petróleo, mas houve mudança na
legislação e a queda acentuada no preço do barril. Se, anteriormente, o
bom momento fosse aproveitado para a redução de despesas, em vez de
aumentar gastos, nossa situação seria outra — assegura Jerson Carneiro,
professor de Direito Administrativo do IBMEC. O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS Jairo Nicolau, Cientista político e professor da UFRJ: “A
dependência apenas do petróleo é uma maldição para vários países.
Aconteceu no Chile, com o cobre. Se aquele produto cai, ou entra em
colapso, fica-se na penúria. E só a capital do Rio é maior do que muitos
países europeus”. Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia: “O
Rio perdeu para Brasília rendimentos e tributos de empresas públicas.
Depois, o petróleo virou o elemento motriz do estado. A retração da
economia do petróleo teve impacto profundo”. Jerson Carneiro, professor de Direito Administrativo do IBMEC: “Está
estourando no Pezão, mas a culpa é de todos, inclusive dele próprio. O
governador, agora, precisará ter criatividade para dialogar com a
iniciativa privada e tirar o estado dessa crise”.
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